quinta-feira, 3 de julho de 2008

Quem conta um CONTO aumenta um PONTO

Helena demorou a descobrir que o humano era simples... e falho. Muitas vezes calou por receio de magoá-lo, por medo de perdê-lo, por orgulho ou até para ser classuda, e igualmente apunhalou sua dignidade com um golpe letal desfraldando para trás seu EU; outras vezes rebatia ferozmente feito bumerangue às dilaceradas palavras que voavam feito maldição, mas depois sofria horrores por ter se deixado levar pelo mau humor de Antônio.
Idas e vindas. Comportamentos desconexos e passionais. Ao passo que evitava enfrentar o problema de frente, pensava: “Meu Deus, porque sempre recuo se emudecendo minhas verdades não abafarei o mal?”. Certamente, Helena degenerou suas convicções vulgarizando os instantes por pura covardia e assim desvalorizava os momentos que poderiam ter sido preciosos.
Agora pontapeia sua realidade para frente, como agulhas; mesmo que seja em forma de obelisco. Para ela, a verdade por mais crua e dura é mel, e pode ser suficiente para anular a astúcia. Tantas vezes não rebateu isso ou aquilo e se deixou fazer de pano de chão para Antônio pisar, quantas vezes se fez invisível e foi cúmplice solitária da madrugada enquanto seu amor dizia trabalhar. Quando Antônio chegava, Helena engolia o álcool que suas narinas vaporizavam enchendo a alcova de ressentimento, mas mesmo assim retrocedia, não lançava uma pergunta à ele. Pura perda de tempo! Prometia a si mesma se fazer de árvore, deixar para lá, não dar o braço a torcer na espera de mais uma noite com horas congeladas que, sentindo-se abandonada, deitava o olhar na luz da madrugada que clareava o vidro dos carros da rua. Não obstante, ouvia os passos do seu homem e se traía com a avidez das lobas, e, ao vê-lo mendigava satisfações. Pouco importava se teriam evasivas ou quaisquer desculpas, mesmo se mentirosas fossem. Vez em quando ficava quieta a mercê da respiração dele, achando que até sua respiração na hora do descanso era falsa. E gritava por tanto se achar burra! Em outras vezes revidava e o acordava a fim de inquiri-lo urgindo loucamente para não calar a cólera que obstruía sua garganta. Estava cheia! Com o passar dos dias e dos anos foi minando sua saúde física e mental. Chegou ao limite, começou então seu declínio e.., descompensou.
Era capaz de se imaginar com a mão no queixo, admirada pela estupidez dos que de uma forma ou outra a ofenderam gravemente... Pai, mãe, marido, filhos, irmãos... Ofendidos e ofensores se confundiam em seus pensamentos de flechas douradas, relativizava as situações sem se sentir vitimizada, contudo tinha o valor devido para cada episódio. Pensava que o ajuste de contas um dia chegaria para todos, e talvez até com um cáuculo difícil de remir para ela. Era o destino direcionando e redirecionando as inter-relações que se entrelaçavam e a entalavam de ironia, sapos e cascos. Todavia, a mesma vida que via-lhe tombando - semelhantemente - acompanhava seu levantar: mais sábio e fortalecido. E Helena refletia: “É, esta é a minha vida!, oferecendo mecanismos que me ajudarão a vomitar do estômago o azedume onírico da minha infância, adolescência e adulteza”.
"Adultos também se desviam do caminho, maridos da mesma forma: erram e metem os pés pelas mãos"; - pensava ela. Foi por este motivo que Helena não conseguiu mais consumir o intragável, pela simples razão que mais adiante a conta viria em outros desdobramentos que lhe custariam caro: mágoa, rancor, irritabilidade, TOC, obesidade, medos, analistas, psiquiatras, síndrome do pânico, ansiolíticos, antidepressivos, anti-hipertensivos, florais e pior, a incapacidade de usar a própria inteligência emocional.
Dessa forma trabalhou para aprender a arremessar o cuspe logo que era gerado o choque e a decepção. Aclarava os fatos sem demora e se possível os desenhava para Antônio de modo que não ruminasse mais nenhuma bola quadrada, espessa e amarga de custosa digestão. “Raiva mata!” - Dizia a si mesma que dali para frente desobedeceria a lei do silêncio que privara e inquietara seu coração. Tal lei cuja moral era absolutamente pusilânime e que: a sentenciava, a atormentava, a seduzia e falseava sua auto-estima; genuíno arroubo de seu ressentimento e ego insaciável. Helena por cinco anos jurou vingança!, mas a vontade de retaliar Antônio desvaneceu em uma inocente manhã chuvosa de domigo.
Interrogava deveras vezes sua consciência o motivo de não livrar-se dos punhais sob suas unhas, o porquê de fazer vista grossa, o porquê de consentir sujeição em relação a Antônio? Desde a mais tenra infância ela sofreu medo da violência e do abuso da força e do poder do pai. Ah!, seu pai tão amado embaraçava-lhe os sentimentos de afeição e ódio. Tinha pânico do seu olhar furiosamente verde, era o sinal do peso do seu braço; o mesmo braço que insistentemente confiava-lhe sem retorno acolhimento e mimos.
Apanhar castigava-lhe toda conjunção da pele e dos ossos, mas mortificava muito mais sua alma. E doía-lhe mais ainda quando a pena vinha junto de um olhar raivoso e berros ensurdecedores; estes eram monstros sanguinolentos chupadores da auto-estima e da resiliência de qualquer criança e qualquer mortal. E mesmo com todos os medos e terror de seu adorado pai, teve a graça de conhecer na infância o Olimpo: seus avós maternos eram-lhe como divindades, a ensinaram as delícias de Ser e Estar consagrando sua existência plena de afetividade. O espírito benevolente de seus avós em cada olhar, em cada elogio, em cada sorriso e nos incontáveis abraços ternos ensaiaram a menina Helena para o mundo. Foi essa a força motriz que ajudou-lhe ser gente grande fortalecendo sua casca. Desde pequenina seus avós, Sr. Murilo e Dona Maria a incentivaram ao aprendizado, ao conhecimento, a ser curiosa, a pensar alto com os pés no chão, a gostar de conversar com pessoas e, principalmente, a se apaixonar pela natureza e pelas chuvas de verão o quanto pudesse.., amar infinitamente o som da chuva no telhado e valorizar a renovação que ela representava: a prosperidade. E diziam para a menina: " - Helena, seu coraçãozinho é um doce vão, deixe as coisas boas entrar, mas as tristezas também virão.., quando se sentir aflita visualise a chuva caindo e tomando conta de você, permita que a água pérola entre e lave sua desesperança e tudo ficará bem..." Foi esta perfeita chuva que libertou seu coração tão maculado desejoso de vingança.
Helena e Antônio, felizmente ainda constroem a relação de casal, amiúde, no compasso dos gestos limpos, no companheirismo, entretanto ainda se deparam vez ou outra com a incompreensão e egoísmo de ambas as partes. Estão aprendendo... vão-se indo... Consideram que suas crias vieram para ensinar-lhes “a arte de ser mãe e pai” e empenham-se com afinco na educação deles. Porém o essencial para Helena é não atapetar na sua conduta as sombras do que viveu outrora por medo de seu "protetor", com o propósito de nunca desafinar o coro dos contentes nem prostituir jamais a aderência do seu lar; tampouco deixar escapar qualquer tentativa de completude.
E viver se foi fazendo.., e viver se faz vivendo... de tantos anos ganhos com o bem, igualmente perdidos com frivolidades e opressão, do tempo não gozado da forma certa, da transgressão dos valores de Antônio, da banda que passou e acomodou Helena a só olhar pela janela, da rachadura no coração, das relações esgarçadas que vieram a ser novamente remendadas. E viver se vai vivendo... Por que viver para aquela mulher era o que havia de mais belo! Experimentando sua história de existir necessitava lapidar-se, e se triste ficava resguardava-se em seu esconderijo que tantas vezes respingou o assoalho.
Uma vez que seu drama era sem comédia nem recalques... da sua dor, das suas lágrimas feitas de água e sal, mas sem verterem-se orgulhosas ou submissas... apenas livres e nuas... como Helena.
F I M . . .

Eu

Simplesmente Selena