segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Nosso arco-da-aliança...

Fotografia: Sela e Cacá, Segóvia - EspanhaPensando melhor, foi um final de inverno fabuloso. Houve desgaste, cobrança, momentos alegres, outros tensos, mas muita recomposição sentimental. Sorrimos, padecemos, choramos. Lavamos um monte de roupa suja e deixamos no capricho. Zeramos o cronômetro do ressentimento, da raiva, da intolerância. Não podíamos considerar outra opção que não fosse a homeostasia, o aconchego depois de tanta surra de palavras e ânimos alterados.
A aura daquele lugar era cheia de espiritualidade e humanismo, uma apoteose vazando fé por todos os cantos. Gente do mundo inteiro. Em todos os sentidos que olhava a cidade, pairava uma espécie de sobrenaturalidade, bons sentimentos aflorando na vontade ser melhor. Era o que eu sentia. E creio que assim era. Havia uma claridade esmagadora sobre meus olhos que chegava a doer, talvez sentisse o olhar embaçar, e foi assim onde me percebi mais humana e mais compreensiva. Foi lá - naqueles três meses - que enxerguei que sofrer podia ser bom. Seria meu fogo-fátuo e a minha catarse.
Santiago de Compostela, seu ladrilhos milenares, sua luz âmbar, sua história santa, sua hospitalidade... Impressionante que mesmo pequena e com seus noventa mil habitantes possui um ar cosmopolita, de vanguarda e de festividade de todos os gêneros. De lá partimos em nossas andanças pelo mundo... Cacá, eu e as viagens nas estradas da Espanha e Portugal, éramos cada vez mais frequentes. Três mosqueteiras. Sim, as viagens se tornaram dali em diante também o sujeito, nossa companheira fiel. Um dia em Porto, a admirar suas belezas esperando o disco flamejante se apagar nas águas do atlântico; outro a tocar as ondas geladas de La Coruña; outro a apreciar o mar azul de Vigo, e depois fazer umas comprinhas; outro atravessando os vales dourados se eclipsando aos tons violeta da região do El Bierzo; outro serpenteando as montanhas cobertas de neve... cores, cheiros, sensações...
Respirávamos poesia em cada poro. Desde que me entendo por gente sou uma viajante em potencial. Das primeiras paragens eu nunca esqueci. União no interior do Piauí foi a mais marcante de toda minha vida. Seria o início de muitas que ainda viriam, pois meus pensamentos já me transportavam continuamente aonde eu desejasse ir. Provavelmente por responsabilidade de Júlio Verne, e alguns livros infantis que povoaram meu terreno fértil e anódino. Eu era como uma mensageira de mim e dos meus devaneios pueris: planos, esperança, aventura, combustível... Imaginava a terra, o céu, a chuva, o pôr-do-sol, a luz da manhã... Idealizei muitas vezes a Espanha, a África, os EUA; como seria seu povo, sua cultura, sua língua? O fato de eu ser "durango kid" não minava minha convicção, ao contrário, só crescia. E eu acreditava... pensava e pensava: ainda vou desbravar tantos lugares, respirar o oxigênio mais longínquo que exista; não me importo com o dia e nem quando, eu irei!
As cidades se apresentaram a mim pelas novelas e pela minha coleção de selos. Hipnotizada eu adentrava na tela da tevê e naquela minúscula figurinha, eu me divertia. Além de sentir o lugar, parecia que o lugar também me sentia. Foram tantos os meus castelos de areia que o vento não levou. Todas as miragens e fábulas que percorri na infância, minha filha Catarina tem me proporcionado com muito carinho, e minha gratidão é sem tamanho. Cacá tem me feito feliz. Deu-me a realidade em vez do sonho. Recordo sua alegria ao me receber pela primeira vez em Madri, tinha as pupilas líquidas, chorava e me abraçava, e eu matava a saudade.
Minha filha, cidadã do mundo. Confesso, ela me dá um orgulho danado! E nesse ir e vir fizemos parte da variada fauna de cada pueblo que esbarramos. E de uma coisa não esquecerei jamais: sonhos são realizáveis, basta mentalizá-los. Abriram-se em meu ser como úlcera na boca do estômago. Há remédio para isso? Sim. VIAJAR... Já disse Saramago que, o fim de uma viagem é apenas o começo de outra...

Eu

Simplesmente Selena