sexta-feira, 30 de abril de 2010

MEMÓRIA AFETIVA

Nasci em 1966, junto com minha querida irmã gêmea, amiga, companheira e tal e coisa e coisa e tal: nós estreamos. Foi uma pena não ter compartilhado a infância com a Celina, mas isso é assunto pra outro poste. Pois sim. Eu tô aqui mesmo é para relembrar um momento singular da copa de 70. Neto (meu irmão) e eu, em fina estampa com nossas botinhas engraxadas. Bom demais para poder alcançar a expressão do que senti em palavras. Detalhe: as minhas alvas meias tinham uma bolinha cheia de algodão pendurada em cada uma, o maior charme. Combinava ao vaporoso tecido pele de ovo em tons pastéis que cobria meu corpo delgado. A sensação tátil era boa, mas a moral era muito melhor. Sentia-me grande, forte, amada, feliz... 4 anos de idade iniciava meu caminhar para vida. Posso “quase tocar” aquele tempo com as mãos. Está guardado e brilhante. Consigo concatenar muito bem as memórias do passado no agora, sou capaz de recordar logicamente os pormenores: valores, cheiros, sons, cores, sensações, nomes, rostos... Naquele dia - eu e meu irmãozinho - de joelhos frente a bilheira tomávamos café com leite e pão com manteiga, a merenda da tarde. Eu Admirava a geografia do móvel que recebia nossa intimidade. Meus olhos percorriam por todo o corpo da vulgar mobília com dois gordos vasos de barro que continham nossa água doada pelo poço. Aconhego na dureza do chão em nossos joelhos, na verdade eu nem sentia dor alguma. A singeleza da bilheira forrada com um plástico com flores coloridas, os potes e o “côco” (nome dado a concha que retirava a água do pote). Conseguia fazer várias coisas ao mesmo tempo. Deleitar-me com o mimo de delícias, sonhar com fadas e príncipes e unicórnios, passear pelas características do objeto de madeira e não dispersar do acontecimento na casa ao lado. O jogo rolava... e então, vozes retumbaram: gooooooooolll.... Meu coração acelerou e corri para lá. Desse ponto não consigo dissecar minha felicidade, juro. Aquele dia maravilhoso tinha tons sépia misturando-se ao rosa. O sol pintava o céu e mais ainda o meu contentamento. Eu brincava de ser feliz, ainda não entendia sobre o fim da matéria; ali só cabia diversão e gozo compartilhados na razão do existir. No instante da explosão uníssona minha barriga não continha só o lanche, uma borboleta voava dentro. A sério. Senti cócegas de tanta euforia. Sublime foi a emoção. Tal o cheiro de amor do colo da Didi, ao me dar sopinha. Momento lindo! Do qual o compasso ainda não conversava com a realidade, mas que estava lá, sobre a bilheira... Eu cresceria, inevitavelmente.

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Simplesmente Selena