sexta-feira, 11 de junho de 2010

QUEM CHAMEI DE IRMÃO

Eva me abraçando, eu beijando Zé Luiz, Ceiça recostada nele, e Socorro na frente fazendo marmota... risos - Brasília, junho de 2008Voltei pra tentar apanhar os escombros da minha fala quebrada, cansada, não assistida. Nesse momento sou peregrina dos dias. Vago no impessoal monitor que aceita meu torpor mudo. Jamais tive a dureza do diamante ou a força do rubi, e vezenquando, descambo num labirinto: sem rumo, sem chão, sem céu, sem ar. Os dias me entediam tanto e tanto e tanto, e afundo até a medula com a moral embotada. Meus deuses morreram de overdose de melancolia, esqueceram-me. Deslizo no eco dos insatisfeitos, é residual. Nunca fui futuróloga, mas o futuro é o maior jogador, é frio e é assombroso. Talvez, hoje, eu esteja em um dos meus maiores conflitos: uma espécie de cegueira mórbida. A mim parece tudo inacabado, tudo ainda por fazer, mas há uma sensação de falta de tempo, ou de apatia. As pétalas macias da juventude se foram desmantelando a graça e me demolindo por inteira. Desabei trinta andares. Há trinta dias meu irmão faleceu. Foi um choque perdê-lo, fiquei com raiva das circunstâncias, do sofrimento que passou, mas não estou aqui desfiando minha negação, e não é fácil aceitar ainda, não é. Não cumpri os ritos de passagem, não fui à Brasília. Existem momentos que você não lida com a perda pelo simples motivo de não saber como encará-la. Eu não consegui. Quando vem em minha mente que ele se foi vem junto o frio me congelando a boca do estômago. Sinto raiva de tudo na vida, e da vida. É uma espécie de total desconstrução do que penso sobre existir. Hoje estou insípida, sem garra, sem vigor, sem motivo... percebo as coisas como se fossem por dentro de um quadro, uma tela limitada. É a tal da finitude: esta que se avizinha e me leva a querer tanta coisa que não posso. É ruim, mastiga a alma e revolta demais. Não adianta réplica, eu não acho a morte natural e não me resigno diante dela, apesar de saber que é implacável. Natural seria se não houvesse sofrimento, mas sim o regozijo da espera, como a de um fenômeno de êxtase; o agonizante não é nada natural. Isso me leva a questionar a vida principalmente nas relações de afeto, e em que pé está meu coração. Reflito sobre como aceitar melhor as pessoas, o sentimento a mim ofertado, e se a minha atenção é de qualidade. A quantas andas minha valoração pelos que digo considerar? O que tenho que aparar, lapidar, remendar em mim? Tenho minhas próprias lacunas, eu sei, mas tenho muitas faltas para o outro, também. Tudo faz parte do indisivo repartido, é contraditório, mas e daí; a vida segue seu rumo, seu ritmo, é o ciclo. Queria vir hoje falar de coisas alegres e coloridas, animação a regabofe, mas sem chance. A vida não é uma piada; a grande piada é fenecer, e estou insuportável de chateada. Por isso, derramo a minha cólera. Escrevo meu desapontamento ao mistério Vida-Morte, pois no fundo e no raso as duas situações se farão um dia, e chega de obviedades. Tudo se acaba na humilhação da mortalidade alheia, e em nosso próprio cabo. Sempre foi e sempre será. Porém, quando você percebe que seu irmão tinha somente uma geração depois da sua, bate a real. Racionalizações a parte! Eu nuca racionalizei bem as coisas, sempre fui impulsiva, criativa e destemida. É onde saio do prumo e peso a mão, no entanto, a vida me dá uma “sentada”. Repenso os atos e tento compreender porquê? Não consigo compreender o incompreensível. Viver não é fácil e morrer é tão indigno quanto envelhecer. O tempo passou e ele se foi - de verdade mesmo? -, revolvo-me em remorso, compaixão e frustração. Podia ter sido uma irmã melhor, mais presente e mais ouvinte, e em um átimo de segundo imagino-me rebobinando o tempo, e a ficha novamente encaixa: o TEMPO, este é imperativo, Sela. E fico moída me culpabilizando de muita coisa que não fiz! Não fui capaz de vencer o cotidiano e ir vê-lo quando ainda estava nesse plano. É uma afronta ter de morrer, pombas! Quem manda isso para cá, quem mandou? É discutível contemplar o sopro de luz, é devastador. Eu não tenho que ser alegrinha para não ser melancólica (creio que tenho a mesma inquietação que meuvéio tinha). Não tenho que escrever melífluo para não ser arrogante, ou não escrever o que me rasga as entranhas para não parecer piegas. Viver é piegas. Falo o que sinto, mas não sou hipócrita. Não usaria da falsa consternação para pintar um texto sem que este tivesse um sentido legítimo. Grita em mim o ardor com o mesmo abatimento que me imobiliza. Ao passo que digito ouço a Globo FM, começa a tocar Save a Prayer (Duran Duran), e eu não me seguro, vazo um rio... não fui eu quem inventou o choro, não fui eu quem inventou o riso, nem a vida e nem a morte. Não fui eu quem inventou a liberdade. Não fui eu quem inventou nada. E por mais que vociferasse o som de mil vozes, a minha revolta não seria ouvida, ou aplacada, ou decantada. Este luto eu carrego comigo choramingando até saciá-lo. Todos nós que amaram e “amamos” o Zé Luis, estamos narrando a nossa história, por enquanto. Nossa história é contada no enredo dos acontecimentos, da ânsia e do pesar, e em tempo nenhum me calará a palavra ou o pensamento. Mas quer saber? O complicado de tudo isso, é ter de lidar com a emoção, a comoção, a saudade... Faço-me consciência íntima e abstrata através dessas letras. Porque o que eu queria mesmo era a pele, o corpo, o pranto, o riso, o odor, os sons... E mais difícil e pior que desabafar a minha ira, é ter que ouvir: “e a vida segue”. Pois que siga, uai! O mundo para mim não é o mesmo, e nem eu sou a mesma.

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